Elementar, meu caro Watson!
As vezes eu me sinto meio Sherlock nesse mundo jornalístico |
Respirei fundo, terminei de editar a última matéria do dia. Deixemos aqui em aberto o meu segundo emprego, o de escrava do sistema. Eu, como assalariada, tinha que aguentar os jacarés, cobras, sapos da vida, ou seja, um zoológico inteiro de imposições. É como diz aquele ditado: ”Fala quem pode, obedece quem tem contrato“. Enquanto eu precisasse seguir o dito cujo, o meu contrato, sem direito a carta de alforria, ia fazendo mentalmente minhas contas de quantas matérias mais seriam necessárias para sobreviver naquele ambiente um pouco hostil – expressão mais delicada que encontrei para caracterizar – mas que de certa forma, era meu habitat natural.
Ah! Meu caro Watson, se eu soubesse que seria assim... Malditos professores que não me avisaram. Talvez até tenham, mas claro, me preocupei em ser utópica, apartidária, certinha, deveria ter me ligado que viver de amor, não para os urros de meu estômago no fim de um dia longo. Se bem que nem o café que eu ando tomando aos montes anda funcionando, sendo essa minha bateria para aguentar um chefe megalomaníaco que acha que eu deva ser multifuncional, o pior mesmo, Watson é que ele está certo, ou não, será?
Se meu avô visse essa loucura da redação, Jesus, Jeová, Deus, Zeus, Hades, Buda, Alah leh lih loh luh! Não sei, certamente meu velho entraria em colapso, claro, pelo ciclo da vida jornalística, um dia eu também irei. O engraçado mesmo é a ilusão que damos a quem está de fora, “Vai trabalhar na Rede Globo?”, eles questionam, era quase como se me perguntassem se eu iria me vender, se eu quisesse sobreviver aqui sim, mas eu ainda teria que descer mais um pouco.
Encontro-me exausta e com aquele gosto de hortelã na boca, tentativa frustrada de eliminar o gosto de café de meu paladar, líquido esse que já substituiu a água de cada dia. Crio, fotografo, escrevo, edito, entrevisto, dou uma pirueta, investigo, filmo, relato, se der tempo eu respiro, mas claro, se eu publico já não é comigo. Nem se eu fosse dona de tudo, aprendi desde cedo nessa vida que sempre há alguém acima. Pobres de meus colegas de faculdade que acreditavam que conseguiriam viver em cima do muro.
Achei que era fácil, quebrei a cara bem feio. O gostinho agridoce de uma matéria feita, nunca perfeita. Sorria se seu editor não mandar-lhe reescrever, cortar algumas partes que mesmo você julgando importante, ele não quer. O sentimento se desfaz, refaz e te tortura, mas a cada matéria bem sucedida, parece um novo filho que vem ao mundo, mas devo dizer, odeio crianças, elas são trabalhosas, barulhentas e casualmente nos arrumam problemas, mas há quem goste. Sinto-me masoquista em dizer que às vezes gosto disso, às vezes, mas claro, ainda não gosto de crianças.
Está anotando tudo Watson? Sim, senhorita. Estou tomando nota. Outra maravilha da vida jornalística é o questionamento perante o diploma. Realmente, Watson, qualquer um pode escrever um texto, noticiar um acontecimento, distribuir a fofoca, mas cuidado! Quem conta um conto, SEMPRE, aumenta um ponto. Para que diploma se eu sou uma boa fofoqueira? Quase uma repórter. Qual a necessidade de saber o que diabos Adorno falou? O que eu vou querer com Nilson Laje e suas técnicas de entrevista? Oh! Claro, nada, meu caro.
Pausa para o café, quer assumir Watson? Não senhorita, prossiga, eu estou datilografando tudo. Não seja antiquado Watson, pegue o gravador na segunda gaveta á direita e vamos continuar, esse café não faz mais o efeito de antes. Deveria tomar menos, senhorita. E você deveria pegar o gravador.
E o agora? Já pensou que ele já vem a nós obsoleto? É uma maravilha saber disso. Nós trabalhamos com a verdade, mas não necessariamente a nossa, quem quer saber o que nós achamos mesmo? Somos meros zumbis que mastigam a pauta e cospem a matéria. Ainda tem quem me apareça com o colorido mundo de ficar em cima do muro, realmente Watson, não sei o que pessoas assim têm na cabeça, o vento bate e uma hora você cai.
Um professor que eu tive dizia “Que bonitinho, serão éticos, porém pobres!“ parecia até que ética e dinheiro tinham alergia um ao outro, não tem, mas eles pouco se gostam, não vamos tocar nessa ferida ainda aberta que é o dilema de “Fazer por ética ou fazer por dinheiro”, se você conseguir fazer os dois e ganhar bem com isso, meus parabéns, encontrastes uma utopia jornalística. Tome cuidado e use com bastante moderação. Aos hipócritas de plantão, por favor, menos, muito menos, nem responda.
Vamos lá garota! Essa matéria está um lixo, reescreva! Watson, ligue para o meu advogado!!!! Mas senhorita, os honorários são demasiados para o seu salário. Acho que dá pra reescrever, alienar só um pouco apenas, não? Quero muito, minha jovem, não quero que pensem, quero que engulam a informação, você pode fazer isso? Eu precisava pagar as contas no fim do mês, precisa engolir alguma coisa também durante essa jornada. Precisava continuar achando que isso ainda poderia virar algo melhor, mas não hoje, claro, então eu faria aquilo, alienar é bom, alienar é... Meu Deus! O café acabou.
O cuidado que devemos ter com a informação é demasiada. Fofoqueiros, transmissores daquela doença fatal chamada notícia, historiadores do agora, como queira chamá-los, mas só não ache que é fácil.
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